Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC
A necessidade de um novo ambiente educativo, que perpasse todas as instâncias do ensino – do fundamental ao superior, das escolas primárias às universidades –, foi a ideia central defendida pelo professor português António Nóvoa na aula magna da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O evento, que ocorreu na noite de quinta-feira, 23 de agosto, lotou o auditório da reitoria com um público que ouviu atentamente os argumentos apresentados pelo reconhecido pesquisador da área de educação. Nóvoa é professor catedrático e reitor honorário da Universidade de Lisboa; recebeu o título de doutor Honoris Causa de universidades de diversos países; e já publicou dezenas de livros na área de educação, entre eles “A história da Educação” (2005), “Paulo Freire: Política e Pedagogia” (2006), “A Difusão Mundial da Escola” (2008) e “Formar leitores para ler o mundo” (2010).
Sua palestra foi dividida em duas partes, ambas conduzidas pela ideia de “metamorfoses”: primeiramente, Nóvoa abordou as mudanças necessárias na educação básica; depois, apresentou uma nova concepção de universidade, que deve ser fundada a partir de uma outra relação com o tempo – que, ao seu ver, está atualmente equivocada e por isso precisa, urgentemente, ser repensada.
Educação Básica
Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC.
“Somos obrigados a pensar em novos ambientes educativos. Caso contrário, não conseguiremos fazer aquilo que há muitas décadas dizemos que é preciso fazer. Dizemos que é preciso fazer determinadas coisas, mas não temos os ambientes propícios para que essas coisas aconteçam.” Para Nóvoa, a forma escolar atual pode ser identificada a partir da resposta a quatro perguntas: Onde? Quando? O quê? Como? “Onde? Uma escola fechada, organizada sobretudo em estruturas de salas de aula. Quando? Horários diários, estruturados basicamente em torno de aulas de uma hora. O quê? Uma grade curricular organizada a partir de uma estrutura de disciplinas, que reproduzem o que era a estrutura da ciência no final do século XIX. Como? Basicamente através de aulas, de lições dadas por um professor a uma turma de alunos. As aulas são dirigidas a uma turma, não a um aluno. Tratamos todos os alunos como se fossem um só. Dirigimos nossa palavra para uma espécie de aluno médio que está naquele espaço.”
Segundo o professor, essa forma escolar não é adequada para o desenvolvimento de conceitos que são hoje muito valorizados pelos estudiosos da educação, tais como: autonomia; diferenciação pedagógica; escola ativa; cooperação e comunicação entre alunos; pesquisa; criação. “O credo pedagógico do século XX está em grande parte resumido nessas palavras. O problema é que essas palavras não cabem naquela forma escolar. Tentamos fazer coisas para as quais aquele ambiente educativo não está preparado. Não há como promover a autonomia com crianças sentadas todas da mesma maneira, de costas umas pras outras; não é possível promover a diferenciação pedagógica quando tudo naquele espaço é feito para uniformizar, para normalizar – normalizar o espaço, normalizar o tempo, normalizar o currículo, normalizar o método.”
Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC.
A criação de um novo ambiente educativo é, para o pesquisador, mais importante do que reformas, leis, doutrinas, métodos e currículos. “Se não criarmos um novo ambiente educativo, pouco nos servirá tudo isso, porque nada de substancial se alterará na forma da escola. A geração do século XIX inventou esse modelo escolar. Hoje, 200 anos depois, temos a obrigação e a responsabilidade de fazer a metamorfose da escola, de encontrar uma nova forma escolar.”
Para Nóvoa, essa nova concepção de educação deve se dar, primeiramente, em um espaço aberto, dentro e fora da escola. “O novo ambiente educativo requer uma outra organização do espaço, que já não cabe naquela estrutura de salas de aula. A construção de um outro espaço é o que caracteriza as melhores experiências pedagógicas. A Escola da Ponte, muito conhecida como uma grande experiência pedagógica, começou há 40 anos pela abertura dos espaços. Se substituirmos quatro salas de aula, com 30 crianças em cada uma, para um espaço aberto, com 120 crianças, não será possível organizar a pedagogia da mesma maneira. O ambiente que se cria já não é propício a dar aulas. Portanto, é preciso trabalhar de outra maneira, distribuir as crianças em atividades diferentes, criar coisas novas.”
Um espaço aberto no interior da escola, mas aberto também para o exterior, traz a ideia de porosidade entre escola e sociedade. “É a ideia de que, com a revolução digital, a escola pode acontecer em muitos lugares. A educação não vai acontecer apenas naquele lugar que nós chamamos de escola. Haverá uma espécie de diversificação dos espaços educativos, em bibliotecas, em casa, em clubes, em centros. A escola será um pólo fundamental, mas não será o único pólo da educação das nossas crianças.”

Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC.
Quanto à organização do tempo, Nóvoa criticou a estrutura horária caracterizada sobretudo pelo “relógio externo” das disciplinas: “Quem marca o ritmo da escola, quem marca o ritmo da lógica escolar diária são as disciplinas, que é algo externo às crianças. Precisamos que o ritmo escolar seja marcado pelo relógio interno, pela dinâmica interna da aprendizagem, pelo tempo de cada projeto. Um projeto pode demorar três dias, outro pode demorar uma semana ou alguma horas. Esse tempo não deve ser marcado pelo ritmo das disciplinas, mas sim pelo ritmo interno de aprendizagem.”
A forma como as disciplinas estão organizadas nos currículos pressupõe também, segundo ele, uma ideia enciclopédica de aprendizagem. “Era pressuposto que deveríamos aprender muito de matemática, muito de física, muito de literatura, muito de história etc. Hoje sabemos que não precisamos aprender muito de cada uma dessas coisas. Precisamos aprender a linguagem da matemática, a linguagem artística, a linguagem científica. Precisamos aprender essas linguagens e sermos capazes de aplicá-las em torno de projetos e temas que nos permitam organizá-las e desenvolvê-las. Isso não é desvalorizar o conhecimento, mas sim valorizar o conhecimento de uma maneira que não seja enciclopédica. A cultura do século XXI não é igual à cultura do século XIX.”

Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC.
Citando o filósofo francês Michel Serres, Nóvoa identifica três revoluções na história da humanidade: “A primeira foi a invenção da escrita, 5000 anos atrás; a segunda foi a invenção do livro impresso, e lá se vão 500 anos; a terceira é a revolução digital, que estamos vivendo hoje. Em cada uma dessas revoluções, nós passamos a nos relacionar de maneira diferente com a história, com o tempo, com as outras pessoas, com o conhecimento. Passamos a nos comunicar de maneira diferente. E acima de tudo: passamos a aprender de maneira diferente. Não se aprende da mesma maneira antes e depois da escrita; não se aprende da mesma maneira antes e depois do livro; não se aprende da mesma maneira antes e depois do digital. E temos que ter consciência disso se quisermos uma educação escolar que valorize o conhecimento. Não o conhecimento enciclopédico e disciplinar, mas sim o conhecimento que nos dê essa capacidade de ler e de interpretar o mundo, da qual já nos falava Paulo Freire há tantos anos.”
Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC